Um paciente que sofre de distúrbios mentais foi espancado por um enfermeiro e servente do Hospital Psiquiátrico do Infulene, na cidade de Maputo, onde se encontrava internado. Motivo? Supostamente por recusar tomar medicamentos. Os pais da vítima exigem responsabilização dos acusados, neste momento suspensos do trabalho até ao desfecho da investigação em curso.
Olho inchado e roxo, arranhões nas orelhas e um pouco por todo o corpo são marcas resultantes dos maus-tratos a que o doente, de nome Jossias Matlombe, foi submetido por quem devia restaurar a sua saúde mental.
O facto ocorreu na noite do dia 11 de Janeiro, a primeira e única que a vítima passou naquela unidade sanitária. A sua irmã, Lénia Matlombe, foi quem descobriu, no dia seguinte durante a visita, as sevícias que o parente sofreu.
Aliás, a interlocutora do “O País” narrou que houve tentativa de impedir a visita. “Quando chamaram o meu irmão, foi um choque para mim ao vê-lo. Ele estava com a cara inchada, um dos olhos inchado e preto. Vendo aquele cenário, chorei”, contou Lénia Matlombe.
Chocada, inerte e sem perceber o que aconteceu a ponto de levar à violência física contra um ser humano, Lénia Matlombe perguntou ao irmão quem era o autor e por que motivo. O jovem respondeu que teria sido espancado por um dois funcionários do mesmo hospital onde estava internado.
Daí em diante, o que se viu foi o contrário do que a família esperava ao internar o jovem. Este “começou a ter crises associadas às dores que estava a sentir, porque foi muito agredido”.
Lénia disse ainda que telefonou para a mãe a reportar o que acabava de presenciar. Ao ouvir a notícia, a senhora não se fez de rogada, saiu de casa à velocidade supersónica e ao chegar no Hospital Psiquiátrico do Infulene pôs o assunto em pratos limpos.
A presença da mãe no hospital fez com que a chefe de enfermagem telefonasse para o colega acusado para compreender o que se passou no dia em que estava escalado para atender o doente. A resposta foi a mesma: o paciente recusou de tomar comprimidos.
O técnico de saúde não parou por aí, alegou que Jossias não só resistiu, como também tentou cravar os dentes nele. Para se defender, afastou-se do doente mas este caiu chocando com a cama, segundo as palavras da irmã da vítima.
O argumento parece muito bem elaborado, mas não convence para quem teve o primeiro contacto com a vítima e ao compartimento onde ela estava internada com outros pacientes.
Aliás, Jossias lembrou-se de alguns episódios que detalhou para a irmã. Segundo Lénia, pelo menos no cómodo onde o irmão se encontrava não existe nenhuma cama. “É um espaço aberto onde são colocados todos os doentes, entre os graves e moderados”.
“Naquele sítio, só tem colchões e por mais que ele [o irmão] tivesse caído e batido na cama, não estaria” ferido com gravidade. “Aquilo foram bofetadas, espancaram-lhe” descreveu a mulher e lembrou-se do que o irmão contou: “ele diz que dois enfermeiros bateram nele. Um deles cobriu-lhe a cabeça com um saco, deitou-lhe água e perdeu os sentidos. Quando acordou, já não tinha roupa, o que significa que depois da agressão aplicaram injecção e o deixaram estatelado”, reconstituiu Lénia.
Naquela noite, ninguém sabia do que tinha acontecido, nem os familiares do paciente e muito menos a direcção do Hospital Psiquiátrico do Infulene. Mas com a luz do dia, o caso veio à tona. A unidade sanitária pediu desculpas pela ocorrência que considera incidente de trabalho.
“Nós não aceitamos desculpas. Estas vão curar as feridas que deixaram no nosso irmão? Nós levámos a ele ao hospital para ser curado e não para ser violentado. Então, a postura desses enfermeiros deixa-nos muito tristes”, lamentou Bernadete Matlombe, também irmã do doente espancado pelos técnicos de saúde.
Depois do episódio, os familiares cuidam de Jossias em casa por receio de voltar a interná-lo no Hospital Psiquiátrico do Infulene e o episódio repetir-se.
“Nós não temos estômago para deixar alguém num hospital e ser tratado daquela maneira. Não é o que nós esperamos. Foi-nos dada uma receita e continuaremos a medicar o nosso irmão em casa”, revelou Bernadete.
Ainda que o jovem de 20 anos de idade não volte mais ao Hospital Psiquiátrico do Infulene por temer mais torturas, os pais de Jossias querem responsabilizar a unidade hospitalar ou os técnicos envolvidos.
“Eu quero abrir um processo-crime porque estou muito chocada. Se eu levar o meu filho para o hospital é para ser tratado. Ainda que ele tenha feito alguma coisa má, tem direito de ser defendido pelos trabalhadores de saúde”, avançou Leia Zacarias, mãe do doente espancado.
E disse mais: “É inconcebível que sejam eles a torturar um doente, espancar, amarrá-lo com um lençol e deitá-lo água no corpo até desmaiar. Onde estamos? Eu exijo justiça”, acrescentou a mãe, num tom de desabafo.
A direcção do Hospital Psiquiátrico do Infulene confirma a agressão ao paciente e garante que já suspendeu os dois técnicos envolvidos no caso. “A comissão de inquérito e a Inspecção dos Serviços de Saúde da cidade de Maputo já estão a trabalhar no assunto. Temos muitos recursos para averiguar e, muito rapidamente, havemos de chegar a uma conclusão e acredito que os órgãos de comunicação social vão acompanhar e saber”, explicou Serena Chachuaio, directora do Hospital Psiquiátrico do Infulene
A ser provado o envolvimento dos dois funcionários na tortura do paciente com problemas mentais, os técnicos podem ser condenados a penas que variam entre oito a 12 anos de prisão.
“Obviamente que os indivíduos são accionados porque são responsáveis criminalmente pelas ofensas corporais infligidas no doente e serão agravadas, eventualmente, por serem pessoas que têm cuidados especiais, do dever de cuidar dela e não de criar ofensas corporais no indivíduo em causa”, esclareceu o jurista Rodrigo Rocha.
Ainda de acordo com Rocha, à luz da legislação moçambicana há, igualmente, um espaço para a responsabilização do Hospital Psiquiátrico do Infulene.
“E é possível, em termos de responsabilização peculiar, ou seja, cível, atacar essa mesma unidade hospitalar. O mecanismo está previsto no código civil e existe esta previsão de que quem beneficia da actuação, o risco que existe de aquela criança lá estar passa para a entidade hospitalar”, citou o jurista.
Como a unidade hospitalar não aceita revelar o nome dos supostos agressores, Rocha disse que os pais do paciente agredido podem mover um processo-crime contra os técnicos, identificando-os como desconhecidos e o Hospital Psiquiátrico do Infulene poderá ser acusado de ser cúmplice dos maus-tratos.
A Ordem dos Enfermeiros de Moçambique ainda não tem conhecimento da ocorrência que alegadamente envolve o enfermeiro do Infulene. Por isso, não se pronunciou sobre o caso.
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