Duas famílias ficaram sem casas em resultado de uma disputa de talhão com a Igreja Metodista Unida de Moçambique. O caso foi levado ao tribunal que decidiu a favor da congregação, cuja capela é hoje o novo lar das mesmas famílias que se dizem prejudicadas. As suas habitações foram reduzidas a escombros.
Domingo, dia de culto para a igreja. Porém, o local reservado a orações está ocupado. Joaquim Rungo, chefe de uma das famílias que ocuparam a capela da igreja, ergueu a sua casa no espaço em disputa antes de 1975. Nos anos 80, a família de Vitória Massinga também fixou-se no mesmo lugar. Volvidas décadas, eles desesperam-se ao saber que as terras que consideravam suas já não lhes pertencem e delas foram afastadas.
A aflição de Joaquim Rungo e Vitória Massinga começou a 09 de Outubro do ano passado, quando as suas habitações foram demolidas, por ordem do Tribunal Judicial da Província de Maputo, que emitiu uma sentença datada de seis de Novembro de 2018, condenando as duas famílias a abandonarem o talhão 905, no quarteirão 03 do bairro Fomento, no município da Matola, onde está implantada a paróquia da Igreja Metodista Unida de Moçambique.
A congregação religiosa estabeleceu-se no local em disputa nos anos 90 e é a queixosa no processo 21/16/A, no qual reclama exclusividade no uso e aproveitamento de terra. Aliás, a igreja reconhece que se instalou neste espaço depois das duas famílias que por ordem do tribunal hoje são forçadas a abandonar o talhão. Joaquim Rungo e a sua esposa estão inconformados.
“É um assunto muito alarmante e requer muitos pensamentos. Eu recebi a independência neste terreno. Do lado da igreja não sei como o terreno foi adquirido, mas nisso quem está a sofrer sou eu”, narrou Joaquim Rungo, ajuntando que um dia apareceu um homem que se identificou pelo nome de Diogo, por sinal “um dos sacerdotes” da Igreja Metodista Unida de Moçambique, paróquia da Matola, e mandou prendê-lo. “Se não tivesse dinheiro, até agora estaria na cadeia. Dizer que estou a roubar espaço da igreja e isso para mim é ilegal”.
Desesperada, a esposa de Rungo afirmou: “eu não vou ficar na rua. Ficarei dentro da igreja até esta construir uma casa para mim”.
Quando a igreja foi implantada nos anos 90, Vitória Massinga era ainda uma adolescente. Como prova de que a congregação instalou-se a posterior no espaço agora na origem da discórdia, a mulher conta que foi uma das pessoas que acarretaram água para a construção da igreja de que hoje diz ser vítima.
Segundo as suas palavras, os donos da congregação destruíram-lhe a habitação, deixando-a ao relento com a família. “Estamos aqui [no talhão em disputa] desde 1982. Eu nasci e sou nativa daqui com os meus irmãos que já não estão cá. Este é o local onde o meu pai nos deixou ele já não existe”, disse a mulher, para quem de repente, em 2016, ela, a irmã e os seus sobrinhos foram surpreendidos pela igreja a reclamar o terreno no qual viviam.
Vitória Massinga narrou que ela e a família não negam sair da capela da igreja, mas para tal exigem uma casa, em compensação da que foi destruída.
Entretanto, de acordo com a sentença do Tribunal Judicial da Província de Maputo, as duas famílias recusaram os talhões indicados pelo Conselho Autárquico da Matola para a implantação de novas habitações.
Filmão Mazive, antigo chefe do quarteirão 03 do bairro Fomento na Matola, garante que conhece toda a história cujo desfecho foi o despejo das duas famílias e questiona a credibilidade da Justiça no julgamento do caso.
“Eles não podem sair de qualquer maneira, são pessoas carentes e doentes. A igreja encontrou-lhes” no terreno em contenda e as partes deviam negociar. Porém, “os actuais responsáveis da igreja não querem” isso e recorreram à força para chegarem ao tribunal. Estes, por sua vez, “dizem que eles devem sair” mas em condições para iniciar uma nova vida.
Para Mazive, “não se justifica o que está a acontecer: a igreja é uma entidade de caridade, mas usou o tribunal e a polícia” para deitar abaixo o que as duas famílias conseguiram ao longo de anos de sacrifício.
Francisco Rungo é da Igreja Metodista Unida de Moçambique, há sensivelmente três anos. Disse que não resta outra opção às duas famílias senão acatar a sentença do tribunal. “Há 30 anos a tentarmos colaborar com as famílias para que saiam do espaço e como não há consensos colocámos o assunto ao tribunal e decidiu pelo despejo.
O interlocutor alegou que não estava em condições de precisar quem ocupou primeiro a parcela de terra em disputa. Segundo ele, no local havia outras pessoas que aceitaram ser indemnizadas.
Rungo esclareceu ainda que, devido à pandemia da COVID-19, a congregação não tem condições para edificar casas novas, por isso, ofereceu ajuda em termos de material de construção, conforme a lista a que “O País” teve acesso.
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