Velhos problemas de saneamento na capital moçambicana vieram à tona, esta sexta-feira, com a chuva que cai desde a madrugada. Já há ruas e casas alagadas como consequência da situação. Os charcos atiçaram conflitos entre vizinhos, que não se entendem sobre qual deve ser o trajecto da água das chuvas. Alguns escoam a água para um lado da rua, mas outros devolvem-na. E todos põem-se aos gritos, buscando razão.
O Instituto Nacional de Meteorologia (INAM) já tinha feito a previsão de chuvas na cidade de Maputo e com isso já se podia imaginar os estragos de costume. Sempre que chove, vários bairros da urbe, sobretudo na periferia, ficam inundados. Os solos, já saturados, quase não “sorvem” nada. Por conseguinte, famílias, mas centenas de famílias, andam com as mãos à cabeça, fazendo contas aos prejuízos.
As ruas dos bairros da capital do país estavam intransitáveis até ao fim do dia de hoje. E segundo a previsão do INAM, mais chuva vem aí. Ou seja, o sofrimento pode estar longe do fim. Para poder entrar e sair das suas residências, os moradores mergulham, literalmente, na água contra todos os riscos de contrair doenças.
“Tivemos que colocar as nossas camas sobre as mesas. Já não temos onde sentar e muito menos dormir. As nossas crianças estão a passar mal por conta da água”, contou Assucena, residente do bairro Albazine, na cidade de Maputo, onde também sempre que chove o desespero é evidente.
Bom, este é o problema que, ciclicamente, ocorre quando cai a chuva, mas desde 2019, foi agravado com a colocação de uma barreira no meio da rua que separa três quarteirões. Na verdade, o obstáculo em causa, segundo os moradores do quarteirão 25, os que se sentem mais lesados, alterou o caminho natural da água e eles é que sofrem.
“Essa lomba faz com que a água vá para casa das outras pessoas e isso piora porque não temos uma bacia ou drenagem”, queixou-se Jeremias, acrescentando que tentou achar uma solução junto do secretariado do bairro, administração do distrito, mas “não tiveram resposta e escrevemos uma carta para o presidente do município e, também, foi em vão”.
Sem resposta, estes residentes do quarteirão 25 puseram a mão na massa, ou melhor, na água para direccioná-la ao seu caminho natural, que é a outra rua, o que azedou as relações com os quarteirões 20 e 22.
“Nós estamos a sofrer com água sempre que chove, por isso construímos a lomba. E mais: a água está na rua e eu não sei porquê estão a tirar a água para as nossas casas. Será que nós temos direito de viver na água?”, questionou, retoricamente, Aida Muthemba, residente do quarteirão 20, do bairro Albazine, na cidade de Maputo.
E de acordo com o documento a que “O País” teve acesso, a barreira que impede a passagem de água para outra rua, foi autorizada pelo Conselho Municipal de Maputo no dia 10 de Abril de 2019 e assinada pelos moradores dos quarteirões 20 e 22.
“Em resposta à vossa carta e analisando a situação apresentada no terreno, autorizámos a montagem da referida barreira e para o nosso acompanhamento solicitámos a indicação das datas de realização”, lê-se no documento.
“Foi o técnico do município que fez aquela lomba e o objetivo era diminuir a água do nosso lado. Assim, cada lado ficaria com uma parte. Aliás, ainda assim, com a chuva que cai é impossível que a água não venha para nossas residências”, sustentou Florinda Mônica, chefe de quarteirão 20, do bairro Albazine.
Ou seja, além da água da chuva que galga, naturalmente, a barreira construída pela edilidade, os moradores do quarteirão vizinho também vão tirando a água para os demais moradores, o que para outros é injusto.
“Fizemos a barreira que é para pelo menos cada um ficar com sua água, mas já não é assim. Alguns vizinhos tiram água para o nosso lado. Eles pensam que não estamos a sofrer porque não passam para ver as nossas ruas e casas”, reclamou Maria Mónica, residente de Albazine.
Enquanto não aparece o município para intervir, as águas das chuvas vão criando mais sofrimento para os residentes do bairro do Albazine, na cidade de Maputo e azedando as relações entre quarteirões vizinhos.
Se por um lado a chuva gerou conflitos entre vizinhos, deste lado de cá, as casas ficaram submersas e tal significou mais trabalho para os moradores. “Não é possível limpar tudo lá dentro da minha casa porque a minha casa é grande. Há locais que nem vou mexer. Está mal isso. Não tenho argumentos”, lamentou Bento Vilanculos, morador de Albazine.
Sem argumentos e muito menos passagem, ficou esta idosa e tantos outros moradores deste bairro quando acordaram, na manhã desta sexta-feira, com suas casas transformadas em riachos.
“Para onde é que iremos? Poderei comprar um terreno com esta idade? Comprei terreno há muito tempo, antes de ter problemas de inundações. Veja água como está? Para onde irei? O que vou comer? Eu não tenho quem me ajude. Não tenho marido. O que farei? Minha casa está ali, os meus netos também estão a sofrer, o que farão? Como irão ao serviço?”, perguntou Cristina Mabjai, idosa de, aparentemente, 65 anos de idade.
As águas não só inundaram a zona, como também, pela sua fúria, derrubaram, parcialmente, um muro e os moradores dizem que a culpa não é, cabalmente, da chuva. “Que façam drenagem e a água passará para o outro lado. Na minha casa, a água vai até à cintura. Nós estamos cansados e só pedimos solução”, disse Eunice, outra moradora do Albazine, num tom de desabafo.
Mesmo cansados, os moradores dos bairros da cidade de Maputo não param de escoar a água de suas residências para as ruas, ainda que este esforço seja, muitas vezes, em vão, porque o INAM prevê mais chuva até domingo.
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